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Memória e COVID-19

Depois de um longo período de restrições impostas pela pandemia e mais de 600.000 vidas perdidas, começamos a recuperar a esperança com o avanço das campanhas de vacinação e a queda do número de novos infectados e óbitos. Com a retomada dos atendimentos nas clínicas e consultórios especializados, passamos a receber um número expressivo de pacientes com queixas relacionadas a memória após infecção pelo SARS COV -2, mesmo pessoas que desenvolveram formas leves, que não necessitaram de internação hospitalar ou suporte ventilatório, relataram algum tipo de prejuízo no seu rendimento profissional ou acadêmico. 
As queixas variam desde pequenos lapsos, como lembrar o nome ou o telefone de alguém, até situações que interferem de forma mais significativas na rotina do dia a dia, como não lembrar o que acabou de ler ou conversar. Essas variações na apresentação clínica sugerem o comprometimento de diferentes etapas no processamento da memória, como a aquisição, consolidação ou evocação das informações. 
Desde o início da pandemia foram  relatados vários sintomas neurológicos que acompanhavam os sintomas respiratórios da Covid 19, isso se deve, pelo menos em parte, a afinidade do vírus pelos receptores do tipo ECA-2, presentes em grande  quantidade no sistema nervoso. A perda do olfato, as dores de cabeça e as alterações no sono se apresentavam como uma cartão de visita da doença em mais de 30% dos casos. Logo as manifestações mais graves, na sua maior parte associadas a resposta inflamatória sistêmica e eventos trombóticos, também começaram a fazer parte dos noticiários. Casos de acidente vascular encefálico e trombose venosa cerebral em pacientes jovens e saudáveis, crises convulsivas e neuropatias desmielinizantes agudas são apenas alguns exemplos.
Estudos recentes nos ajudam a entender melhor a dimensão dos problemas relacionados a perda de memória. Um deles avaliou os aspectos neuropsicológicos de 740 pacientes com diagnóstico comprovado de infecção pelo SARS COV 2. O objetivo era determinar se havia ou não comprometimento da memória pela doença. Nessa pesquisa não foram incluídas pessoas com antecedentes de transtornos cognitivos ou outras condições médicas que pudessem interferir com a avaliação, todos tinham mais de 18 anos, com idade média de 49 anos. Nessa avaliação 24% dos participantes tiveram problemas para aprender novas informações,  23% tiveram dificuldade de recuperar informações previamente aprendidas e o tempo necessário para completar uma tarefa que exigia manter a concentração por algum tempo foi mais lenta em 18%. As pessoas que necessitaram de internação mostravam alterações mais significativas do que as que receberam apenas atendimento ambulatorial.
Outro levantamento realizado pela Dra Lívia Stocco Sanches Valentin no Hospital das Clínicas da USP/Incor, mostrou, ao longo de  seis meses, que 58% das  pessoas internadas por Covid apresentavam alguma alteração cognitiva. A perda de memória estava presente  em 42% deles, enquanto  queixas relacionadas ao raciocínio e a concentração  foram observadas em até 31% dos casos.
Na tentativa de explicar esses achados alguns especialistas consideraram  a possibilidade do o vírus causar danos diretos ao sistema nervoso pelo comprometimento direto dos neurônios. Contrariando essa ideia um estudo publicado na Nature, revista de grande prestígio no meio acadêmico, mostrou que o vírus tem dificuldade em passar pela barreira hematoencefalica (sistema de defesa do cérebro que funciona como um filtro), tornando improvável que ele infecte os neurônios diretamente. Os dados desse trabalho sugerem que o SARS-CoV-2 pode infectar os astrócitos, um outro tipo de célula encontrada no cérebro e tem, entre outras funções, a capacidade de tornar o ambiente adequado para o funcionamento dos neurônios, incluindo o fornecimento de nutrientes e o equilíbrio eletrolítico.
Na prática os sintomas relacionados a disfunção na memória e atenção se sobrepõe a outros problemas sem relação direta com a infecção pelo SARS COV 2. Depressão, ansiedade, alterações no sono, uso inapropriado de medicamentos e consumo excessivo de bebidas são exemplos de outras condições que podem provocar confusão diagnóstica. 
A avaliação especializada é o primeiro passo para o diagnóstico e tratamento adequados dessas condições. Apesar de não existirem tratamentos específicos, diferentes técnicas de reabilitação e treino cognitivo tem se mostrado muito eficientes na recuperação desses pacientes. 

1. Arq. Neuro-Psiquiatr. 78 (05) • May 2020 https:/doi.org10.1590/0004-282X20200051
2. Abigail Whittaker et al. Acta Neurol Scand. 2020 Jul.
3. JAMA Netw Open. 2021;4(10):e2130645. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.30645
4. Nature 595, 484-485 (2021)doi: https://doi.org/10.1038/d41586-021-01693-6